segunda-feira, 7 de junho de 2004

Como um bom soldado



«Para quem escreve com o fim de ser lido, não ser entendido ainda é pior do que não ser apreciado. Ou lido.» Miguel Esteves Cardoso, semanário ‘O Independente’/Maio de 1988

Durante dois anos – que foi quando dei conta de que tinha completado a minha instrução formal em jornalismo pelas mãos deste semanário (abraço a todos, em especial ao Paulo Pinto Mascarenhas, à Inês Serra Lopes, ao Vítor Cunha e ao Paulo Reis); e desta revista (obrigado à Áurea Sampaio, ao Rui Costa Pinto, ao Cáceres Monteiro, ao Francisco Galope e ao Pedro Camacho) - magiquei a ideia de criar e dirigir um jornal, quinzenal, que versasse sobre os países africanos que falam o português e fosse servido aos seus nacionais residentes em Portugal. Utópico? Talvez, mas o desafio valia a pena.
Passei todas as noites do mês que antecedeu a saída do número zero, rodeado daqueles que acabariam por nunca participar do projecto. Conversávamos sobre a ‘viabilidade’, a ‘durabilidade’ e a ‘aceitação’ do jornal por parte daquele que seria o nosso público-alvo. «Os africanos não lêem», dizia um; «não será prematuro?», interrogava-se outro. E eu, à minha maneira, aumentei a parada: «vou fazê-lo e vamos ter também um sítio na Internet». Tudo o que recebi foi um encolher de ombros e dois olhares de espanto.
Pois bem, consegui e orgulho-me disso. E eles também (obrigados ao Abílio Neto, ao Ricardo Godinho Gomes e ao Octávio Lopes). Inaugurei o sítio no dia 15 de Novembro de 2003. Fazia anos e morreu-me um amigo – que saudade do ‘nosso’ Carlinhos... Depois, bem, depois foi o sucesso (mas o sucesso é sempre relativo). Tudo isto para dizer a todos aqueles que nos leram durante perto de três anos, que fechamos um ciclo e vamos suspender a publicação do Lusófono no formato de papel, continuando apenas com o sítio.
Convém no entanto realçar que não fomos nós que vergámos. Foi-nos comunicado apenas trinta dias antes que a «crise» – ah!, la crise! – foi a responsável (eu continuo a defender que «a crise está nas nossas cabeças», caso contrário o Lusófono não sobreviveria até aqui...). É claro que durante perto de três anos reinámos. Fomos o único jornal do género e, assim, a referência de muito boa gente. Éramos aquele jornal que criticava a incompetência e não tinha receios ou medo; também fomos solidários quando chamados, ou não.
É sabido que Lusófono tem, desde há dois meses, um concorrente, propriedade de um grande grupo de comunicação que apoia alguns governos africanos... Não que o dito jornal fosse comparável ao nosso excelente produto ou coisa que o valha... não!. A força do nosso concorrente reside apenas no facto de ser um semanário e de ter uma tiragem de 40 mil exemplares, mesmo que não venda um terço do Lusófono. E daí termos sido preteridos. Convém, no entanto, dizer que levamos o BCP – o nosso parceiro desde o número zero - ao colo. Passaram de 20 por cento de quota no mercado das transferências de dinheiro para... 50 por cento, e orgulhamo-nos disso.
É certo que vivemos numa economia de mercado, onde os menos fortes quase nunca conseguem sobreviver – o Lusófono era frágil e baseava-se apenas na boa vontade de alguns poucos e da carolice de duas pessoas. Nunca tivemos aquele pressentimento do «vou ser rico». Seria até estúpido e isso não somos. Queríamos apenas servir, como um bom soldado. Desde 23 de Março de 2002, data em que foi lançado o número zero, com uma bonita festa na Estufa Fria (um agradecimento especial à Câmara Municipal de Lisboa), que não deixamos de cumprir com o nosso papel: o de escrever para ser lido.
É claro que incomodávamos. Mas também falávamos bem. Não nos deixámos, contudo, amedrontar. Nunca. Escrevíamos bem, mas havia um problema que nos acompanhou quase sempre, como se de uma sombra se tratasse: algumas pessoas liam-nos mal. Mandaram-nos «recados». Tentaram calar-nos, mas recusamos a humilhação. Quantas vezes, na paginação, nos deparamos com um problema caduco: como é difícil... nunca há espaço suficiente para publicar o pouco ou nada que foi escrito – À ‘DigisCript’, ao Nuno Figueiredo e João Reis, obrigado pela paciência, havemos de voltar a trabalhar juntos. Aos meus caros Eugénio Almeida, Inocência Mata, Leopoldo Amado, Sónia Neto, Sahida Alina entre outros que colaboraram com o Lusófono, não há palavras...elas simplesmente não chegariam para vos agradecer.
Diz-se que os últimos são sempre os primeiros. Assim, e na impossibilidade de citar todos, cá fica um abraço de saudade aos colaboradores que ao longo destes quase três anos aturaram o meu «mau feitio». Tenham paciência e não desesperem que o Lusófono voltará um dia. E, quem sabe, todos os que estiveram comigo. A ser, será um projecto muito mais arrojado, acreditem. Sem medos.
Agora, chegou a hora de experimentar novas aventuras, da qual vos darei conta mais tarde... Abraços calorosos a todas(os). O blogue continuará, bem como o sítio - isto se a nova realidade o permitir, claro.

António Aly Silva
Lisboa, Junho de 2004