quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Sin murri gossi

O Ministério Público, ou, se preferirem a Procuradoria Geral da República, nunca mais será a mesma. Isto, desde que o Ditadura do Consenso, publicou os três autos de inquirição de testemunha. Autos mal escritos, num português de merda, que envergonha qualquer cidadão esclarecido de um País de língua portuguesa. Mas nós somos mesmo assim: funcionais. Funcionamos...só que mal. Tudo o que copiamos faz lembrar os chineses e o seu descaramento desmesurado e sem vergonha.

Publiquei os três autos, sim. E publiquei-os porque tive acesso a eles. Antes mesmo de ir a Lisboa, em dezembro. E antes de os publicar, fui à PGR e dei conta do que ia fazer.

Mostrei igualmente todos os autos - porque fui contactado por duas pessoas ligadas ao processo. Num café-restaurante. Cheguei primeiro e esperei. Pouco depois chegaram. Apresentamo-nos. "Já o conhecia pelo blog", disse um. "Sim, do Ditadura do Consenso", confirmou o outro. Entretanto, já suavam.

"E então, ouvimos dizer que tem aí umas coisas para 'lançar' hoje. Pode mostrar-nos?". Sim. Posso. Saquei então dos três autos. Eles esticaram-se. E um dos magistrados começou a folhear rapidamente a dúzia de páginas. Como bom observador que sou, reparei em dois pormenores, que na altura pareceram banais e hoje fazem todo o sentido: folheou uma, duas, três, quatro e de repente fez-se luz. Parara na página que diz respeito ao Samba Djaló, da sinistra Dinfosemil.

Folheou novamente as três das quatro páginas do referido auto, e suspirou baixinho antes de ir para a última página. "Abro, não abro", terá pensado. E, pensando, lá se decidiu pelo abismo. E o porquê? Ora, porque é na página quatro que estão as assinaturas de Samba Djaló, dos três magistrados que o ouviram, e, ainda, do técnico de justiça - aquele, aquele que escreveu os autos...

E então o magistrado deixou cair as folhas. Caíram com estrondo, o barulho na altura assemelhou-se à queda de uma resma de papel A/4 de uma altura de 50 cm. Haverá estrondo, portanto. E levou as duas mãos à cabeça. Olhou para o seu colega. Tinha um ar triste. Estava - a seu ver - destruído. Inspirou e, um pouco irritado disse: "Estamos acabados. Quem é que lhe deu isto?". Não, não queria assustar-me (foram bastante afáveis até, e, em certa medida, comedidos).

Limitei-me a garantir-lhes que ninguém nestes três autos deu-me fosse o que fosse. "Nem os conheço" - dei a minha palavra. Numa palavra, eles não queriam que eu tornasse público os autos. "É segredo de Estado" - tentaram. Calmamente, disse-lhes "segredo do Estado não pode vir parar à rua!". E calei-me, à espera do ricochete. Mas não.

Desta vez, tentei eu. "Garanto-lhes que não publico nada sem antes falar convosco". Pela primeira vez durante a conversa, acho, respiraram normalmente. E convenientemente. Esticaram-se, e ajeitaram as gravatas no mesmo momento. Foi giro. Um deu uma folga ao nó da gravata. Um nó duplo. Outro pediu água e depois deixou-se cair para trás. Depois de beber e pousar o copo na mesa, garantiu ao colega: "De agora em diante, passarei a andar com todo o processo na mala!".

Nesse mesmo dia, por volta das 19 horas, telefonei. Boa tarde, senhor doutor - disse eu. Respondeu como se estivesse abalado - eu também estaria. Acredite. Depois disse-lhe "decidi publicar os autos". Desta vez ouvi-lhe a alma: "Está bem, faça como entender". Desligámos.

Deixei passar tempo. Passaram uma, duas, três horas. Antes de os publicar, fui às estatísticas: mais de 8 mil visitas! E todos à espera. Enter. Feito.

Mal sabia ele que eu já estava na posse de mais documentação, ainda sobre as mortes de Helder Proença e Baciro Dabó. E também relativamente ao assassinato do ex-Presidente 'Nino' Vieira. E é apenas por uma questão de oportunidade - e da minha segurança - que ainda não as tornei públicas. Não tenho pressa, prefiro ter cuidado.

Oscar Wilde escreveu que "a cada bela impressão que causamos, conquistamos um inimigo" e acrescentou que "para ser popular é indispensável ser medíocre". E é aqui que eu entro. Não sendo popular, ala com o medíocre. Aliás, a mediocridade tem várias casas: mora na primatura, às vezes dorme na Assembleia, faz uma visita à Presidência, e acaba sempre por desaguar em alguns gabinetes da Procuradoria Geral da República.

Assim, e não sendo medíocre, prefiro sabiamente isto, que Bertold Brecht deixou escrito na pedra: "Há homens que lutam um dia, e são bons; há os que lutam muitos dias, e são muito bons; há os que lutam um ano, e são melhores. Porém, há os que lutam toda a vida - estes são imprescindíveis". AAS