sábado, 14 de dezembro de 2013

Ramos Horta, ao 'Expresso de Bissau': "As forças armadas devem saber que não são insubstituíveis"


O Representante Especial do Secretário-geral da ONU na Guiné-Bissau, José Ramos-Horta, afirmou que a nova data marcada pelo Presidente da República de Transição para a realização das eleições é inadiável. Em entrevista exclusiva ao Expresso Bissau, o Nobel da Paz disse que se isso vier a acontecer, será um desaire para o povo guineense. Sublinhou que os guineenses devem trabalhar 24/24 horas para que a data seja cumprida, mesmo esquecendo as festividades do Natal.

Qual é a sua opinião relativamente ao processo de transição na Guiné-Bissau?

Acho que, a partir de Setembro do ano em curso, a situação na Guiné-Bissau começou a agravar-se no plano político e de segurança, houve nomeadamente episódios de violência, seja de natureza criminal e ataques a pessoas e casas pilhadas por homens armados, com o fito do roubo, mas houve também casos de nítida natureza política. O caso mais grave é o do Ministro de Estado dos Transportes e Telecomunicações, que foi brutalmente espancado e hoje consta entre as dissidências internas de um dos partidos. Houve casos muito graves de espancamento de cidadãos inocentes e outros atos, que se pode dizer de violência, contra a embaixada da Nigéria. Todos estes atos, obviamente, tinham motivações políticas orquestradas por pessoas que querem desestabilizar a Guiné-Bissau, desacreditar o processo de transição, a CEDEAO e a ECOMIB. Isso só pode ser uma agenda política para desestabilizar o país. Pergunto: quem está interessado em desacreditar o regime de transição, a ECOMIB, a CEDEAO ou, em particular, a Nigéria.
É óbvio que há pessoas na Guiné-Bissau que não estão interessados e é igualmente óbvio que há pessoas na Guiné-Bissau, ou fora da Guiné-Bissau, que não estão interessadas em que o processo de transição continue pacificamente com êxito, e provocaram este incidente. A situação no plano social e humanitário agrava-se dia-a-dia devido às sanções, à má comercialização do caju e à ausência de novos financiamentos, ou investimentos no país, e isso tem implicações negativas para o clima de estabilidade e tensão que existe. Sei que há graves carências sociais, quase automaticamente tensões e instabilidade. Mas, apesar de tudo isto, a Guiné-Bissau continua a ser um país relativamente pacífico e continuo a acreditar que é possível, nesta última etapa de transição, realizar o processo eleitoral, o retorno à ordem constitucional democrática, pacificamente, em Março do próximo ano, e começarmos a segunda fase, que vai ser muito dura, porque aí, caberá ao novo Presidente da República eleito, à nova Assembleia Nacional Popular, ao novo Governo, fazer esforços para ganhar a confiança da Comunidade Internacional e dos parceiros tradicionais, para recapitalizar o país, que se encontra desfalcado. Quer o Estado, quer o setor privado, ambos precisam de ser recapitalizados. Acredito que é possível a realização das eleições na data anunciada pelo Presidente da República de Transição Serifo Nhamadjo, o financiamento foi prometido, os kit‘s para as eleições foram encomendados, alguns equipamentos e servidores estão em Bissau, a maioria dos técnicos está cá e todos vamos trabalhar se não 24 horas, 12 horas por dia, para podermos realizar o recenseamento na data prevista, mesmo trabalhando aos sábados e domingos, esquecendo o Natal, para que o recenseamento seja completado no prazo estipulado.


Qual é a sua opinião relativamente à situação do país pós eleições?

As elites políticas da Guiné-Bissau foram eleitas para governar o país, terão um desafio complexo pela frente, que é o de lançar um vasto programa de reformas na Administração Pública e o relançamento sério da reforma e modernização das Forças Armadas da Guiné-Bissau. Qualquer uma das partes que não for bem revista, ou seja, a reforma radical na Administração Pública, nas Finanças Públicas e nas Forças Armadas, vai pôr em perigo toda a boa vontade da Comunidade Internacional em refinanciar o país e a Guiné-Bissau não sairá da crise, pelo contrário, a crise social, humanitária e económica irá aprofundar-se. Daí que lance um apelo para que as elites políticas e todos os quadrantes entendam que, após as eleições em 2014, o partido mais votado terá que ter sentido de Estado e convidar os outros parceiros políticos para se sentarem à volta de uma mesa e conversarem serenamente sobre uma parceria estratégica entre todos, para resgatar o país. É possível que os guineenses se entendam uns aos outros e, ao mesmo tempo, as chefias das Forças Armadas entendam que não são insubstituíveis. As Forças Armadas devem saber que não são insubstituíveis, se o Chefe de Estado não é insubstituível, se o Papa é substituível, como é que se poderia pensar que outros chefes não são substituíveis. Convém pensar tudo isso, a única questão é o tempo, ou seja, o calendário para a reforma das Forças Armadas e de toda a administração pública, que vai levar tempo. Não vejo que esse processo leve menos que cinco anos até à reforma completa das Forças Armadas. Mas isso depende de uma forte liderança política nacional, que possa mobilizar o povo atrás de si para apoiar o programa de reformas. O povo deve sentir que realmente esse programa de reformas e de modernização é vital, tal como ter o apoio da Comunidade Internacional.

O PAIGC vai ao seu VIIIº Congresso com várias facções e, se houver uma rotura que o impossibilite de ir às eleições, o quê que poderia acontecer?

Estamos a falar de dezenas de milhares de apoiantes, acredito nesse partido e já o conheço há muito tempo. Portanto, terá que ser possível encontrar uma solução para o diferendo interno e para a realização do congresso. O cenário da realização das eleições sem a participação do PAIGC, quanto a mim, é inimaginável. É simplesmente um cenário tão negativo que não gostaria de o comentar. Os irmãos do PAIGC são políticos com décadas de experiência e, para tal, vão poder encontrar uma solução. A democracia é feita pelos partidos políticos e não vejo como é que poderia haver eleições sem participação plena – livre na integridade – por parte dos partidos políticos. Portanto, a data de eleições para o dia 16 Março de 2014 é imutável e inadiável.

O que poderá acontecer se for adiada novamente?

Só podem acontecer desaires. Devo dizer com toda a franqueza que, devido a tantos problemas que assolam o mundo, desde a Síria, Líbia, Egito, Somália, Malí, República Centro Africana, muito dificilmente o Conselho de Segurança das Nações Unidas será persuadido a fazer mais do que o que está a fazer neste momento pela Guiné-Bissau. FONTE: AQUI