domingo, 23 de março de 2014

Vou por Aly


A mão direita segura um queixo cansado com barba por fazer. O exílio não é pátria que convém a ninguém - é uma frase feita. Bem feita, até.
A paisagem que tenho à frente não esconde segredos mas mantém o encanto, apesar da pouca luz, coisas do tempo. Entre dois cafés, fumava cigarro atrás de cigarro. E filosofava. Guiné-Bissau estará cega dos olhos ou surda dos ouvidos? - interrogava-me. E nós, os guineenses, seremos cegos numa sala cheia de surdos?. Complicado, como mais adiante se verá.

Cada história trágica [que passámos] teve o efeito [perverso] que vemos hoje. Quem, da minha geração, não previu mesmo que tudo isto iria acontecer? Quem não sabe mesmo que foi tudo premeditado? Friamente, até.

A pirâmide inverteu-se há muito. Aqueles que não sabem simplesmente esmagam aqueles que andaram anos a queimar pestanas, fazendo das tripas coração. Quem mandou em nós desde a independência, e como mandaram em nós? O que fizeram da Guiné-Bissau? As perguntas dariam pano para mangas. Mas há algo que me inquieta. Uma pergunta: porque deixámos que nos fizessem tudo isto? E a sentença só pode ser: culpados!

Num ai, o sonho caminhou para o pesadelo. Ficámos sem chão. Fomos traídos no nosso âmago! Hoje, o nosso país não passa de um Estado pária, condenado no mundo todo, os seus cidadãos são olhados com desconfiança em tudo que é fronteira; a Guiné-Bissau tornou-se tristemente num exportador da morte. Uma visão absurda de país, perdão, de um projecto dos deuses atraiçoado pelos seus próprios filhos.

40 anos de independência, quarenta e um anos de ilusão! - é conveniente contar sempre com o ano por vir... Continuamos a ser um país viciado em ajudas internacionais. E entretanto, nas ruas, cruzam-se diária e alegremente um povo exuberante e tristemente feliz e os Homens que arruinaram o seu país - mais felizes do que nunca. Estranho. E sem piada nenhuma...


António Aly Silva