segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

OPINIÃO: MFDC continua a provocar dores de cabeça


"O MDFC continua a provocar dores de cabeça ao nosso país e vai seguramente continuar a causar danos. Enganam-se aqueles que porventura pensam que conflitos desta natureza, classificados de baixa intensidade (low intensity conficts), não têm futuro. É precisamente o inverso. Têm tendência a durar eternamente ou pelo menos enquanto os seus líderes tiverem forças e alguma capacidade de recrutamento. Essa capacidade de recrutamento pode, eventualmente, ocorrer e ganhar algum fôlego à medida que a repressão das forças governamentais aumenta e as populações forem ganhando consciência de que as suas reivindicações (políticas, económicas e sociais) jamais serão atendidas.

Ora, pela idade que os comandantes da frente sul de um dos ramos do MDFC (Duarte Djedju e Alfucene Djedju), que se reuniu em Farim com o Ministro da Administração Interna (MAI) aparentam ter, este conflito de baixa intensidade pode vir a durar mais 20 ou 30 anos, o que adicionado aos 32 anos que já se passaram perfará 62 anos. E isto sem contar com as reivindicações políticas que tiveram início, efetivamente, em 1947, ano da fundação do movimento.

O facto de os reencontros militares serem raros e pouco desgastantes faz com que a resistência seja muito mais duradoira do que os conflitos de alta intensidade. Mas há um outro fator que se deve adicionar a tudo o que acaba de ser dito. É a circunstância de os elementos rebeldes desposarem mulheres guineenses, o que em conflitos de género não pode de modo algum ser descurado.

Com base na experiência tida de outros conflitos, um dos elementos que muitas vezes concorre para as deserções, além da componente psicológica associada à intensidade da guerra, da demora da guerra e das dificuldades experimentadas pelo grupo armado a nível do aprovisionamento de víveres e de armamento, é precisamente o facto de os rebeldes terem a ansiedade de refazerem as suas vidas o mais rapidamente possível (por exemplo constituírem família) com o fim da guerra e se verem confrontados com o seu indefinido prolongamento.

Neste caso concreto os rebeldes de Casamansa não precisam de se preocupar tanto com o assunto de constituírem família pois podem fazê-lo cruzando a fronteira e terem uma prole que eventualmente venha a substituir os pais na sua atividade. Neste aspeto particular, seria muito interessante estudar o perfil e a história familiar dos elementos que compõe as várias fações do MDFC.

Mas regressemos imediatamente ao incidente de fronteira que levou à demissão do MAI. Estava precisamente a meio deste artigo quando fui surpreendido (positivamente) pela demissão do Ministro. Sim, porque depois de ter visto as imagens não tive dúvidas de que o Ministro em causa, que tinha começado muito bem o seu périplo com repreensões sobre o comportamento indigno de alguns dos seus subordinados e que estava (diga-se em abono da verdade) a desempenhar muito bem as suas funções, tinha levado longe demais o seu esforço e criado condições para que o Estado guineense sofresse um vexame por parte de um grupo armado que não reconhece. Por várias razões que passarei a enumerar:

1)A reunião (e toda a discussão que se gerou a propósito de se saber se o grupo armado estaria ou não do nosso lado da fronteira) ainda que informal, era absolutamente desnecessária e só veio pôr a nu a velha questão da volatilidade da nossa fronteira. E mais!

2) Veio demonstrar (se é que algumas dúvidas existem) o total desconhecimento da nossa fronteira por parte das autoridades que inclusivamente tinham a responsabilidade de zelar pela sua vigilância, segurança e controlo. Depois de várias décadas de independência o Estado guineense (como desconfiávamos) ainda não tomou verdadeiramente posse (de jure e de facto) das nossas fronteiras. Dai também o descalabro que se verificou nos acordos rubricados com o Senegal nos anos 90. O incidente de fronteira e a reunião que se lhe seguiu exige agora mais esclarecimentos. O guineense comum quer agora saber se o grupo armado do MDFC estava ou não a operar impunemente do nosso lado da fronteira. E como é que isso se faz? Criando e enviando uma missão de verificação dos dois países para a zona;

3) Naquelas condições ao constatar e ao lhe ser barrada a passagem na dúvida (como de facto relevou ter dúvidas se estava do lado guineense ou do lado senegalês, facto que me pareceu incrível) a primeira atitude a tomar seria informar imediatamente o Primeiro-ministro e a Ministra da Defesa para que, junto das autoridades senegalesas, através do Ministério de Negócios Estrangeiros, se criasse uma missão conjunta de verificação dos marcos fronteiriços numerados que existem (ou deveriam existir) e não são propriamente montes de pedras e de areia. Além do mais, a própria Presidência da República deveria ser imediatamente informada do incidente.

Depois da verificação conjunta e se se constatasse que o grupo armado estava de facto a violar a nossa fronteira a Guiné-Bissau deveria imediatamente lavrar uma nota de protesto junto do Governo senegalês a queixar-se da violação reiterada do seu território por grupos armados e como medida preventiva e dissuasora colocar um contingente militar na linha de fronteira. O MAI não deveria estar em amena cavaqueira com os rebeldes de Casamansa;

4) Como se não bastasse ainda convocou uma reunião com a direção militar dos rebeldes em Farim, o que acabou por ser um reconhecimento tácito, por parte de um membro de Governo guineense, do movimento rebelde e da força que dispunha no terreno quando afirmou, na sua alocução, que esses poderiam ter aniquilado a comitiva ou quando deixou a entender (ainda que de forma implícita) que controlavam uma área. Foi um erro grave. Muito grave, mesmo.

A reunião de Farim ainda veio agravar a situação, ofuscando completamente aquilo que estava a ser o desempenho positivo e a atitude discursiva do MAI que antecedeu o incidente. Depois disto e de tudo o que pude subtrair do noticiário da televisão da Guiné-Bissau, não tive dúvidas nenhumas de que o MAI tinha caído numa verdadeira armadilha e que alguém tiraria as devidas consequências, na minha opinião, de um ato irrefletido e talvez até inconsciente, mas que acabou por ridicularizar os governantes que se deslocaram à região. Tão irrefletido e inconsciente que, caso os rebeldes quisessem ganhar notoriedade a nível interno (do Senegal) e internacional, poderiam ter raptado o MAI e o seu staff, o que colocaria a Guiné-Bissau em maus lençóis. Ainda assim, a atitude deixou mossa que deve colocar o Estado guineense e o próximo titular do cargo de sobreaviso.

Algo de positivo ficou, porém, deste indesejável incidente na fronteira e da também indesejável e subsequente reunião de Farim: a vontade expressa pelos rebeldes em negociarem sobre a mediação do nosso país que não deve ser descurada. Todavia, os rebeldes se tiverem mesmo vontade em negociar devem comunicar as suas intenções ao Governo legítimo do Senegal. Subsidiariamente é preciso saber (até porque a existir paz em Casamansa é necessário que essa paz seja de facto definitiva) com quem negociar. Por outras palavras, negociar com qual das fações de um grupo decomposto em três ou quatro alas?

Criadas essas condições internas (no Senegal) para o advento dessas negociações é claro que a Guiné-Bissau deve predispor-se (e não seria a primeira vez) a oferecer o seu território e a participar na mediação por ser uma das partes interessadas na resolução de um conflito que ameaça eternizar-se. Deve fazê-lo de uma forma séria e responsável. Mas não transformar a mediação numa aventura em solitário do nosso país. Deve engajar também a Gâmbia (outra interessada!), aCEDEAO (pois o conflito impede a livre circulação de pessoas e bens), com todos os prejuízos que isso acarreta à integração regional, e a própria CPLP de que a Guiné-Bissau é Estado membro.

A resolução do conflito em Casamansa interessa, portanto, aos países vizinhos limítrofes (Guiné-Bissau e Gâmbia), às organizações regionais e sub-regionais e à CPLP. Por isso, todos eles (individualmente ou em conjunto) deveriam redobrar os seus esforços no sentido de criarem condições para a pacificação definitiva da região.

Enquanto isso não acontece, a Guiné-Bissau deve:

vigiar as suas fronteiras e tomar posse efetiva delas;

Reativar urgentemente as Brigadas Geodésicas e geo-hidrográficas que existiam no tempo colonial;

criar uma missão de verificação conjunta das fronteiras com o Senegal e com a Guiné-Conakry;

estudar as convenções que Portugal fez com a França e que estabeleceram as fronteiras atuais;

conhecer as retificações efetuadas, bem como os diferentes relatórios das missões geo-hidrográficas.

Julião Soares Sousa"